Reflexão Individual Sara Lima 

 

           Esta reflexão foi desenvolvida no âmbito da unidade curricular de Sistemas da Formação, Trabalho e Justiça Social da Licenciatura em Ciências da Educação. Esta unidade curricular tem por objectivos explicitar a evolução das relações entre contextos de formação e trabalho e a sua transformação, compreender esta relação numa perspectiva de justiça social, bem como perceber qual a pertinência desta unidade curricular para a formação de um mediador sócio-educativo e da formação, particularmente, no campo da educação e formação de adultos.

           Para o efeito, ao longo do semestre fomos desenvolvendo actividades que nos permitiram focar estes campos. A primeira actividade, consistiu em, individualmente, cada estudante definir o que entendia por formação, trabalho e justiça social e é a partir dessa reflexão inicial que vou construir uma reflexão mais aprofundada sobre estes temas.

           Deste modo, considero que a formação ocorre ao longo da vida, esta sempre presente e pode ocorrer em contextos formais e não-formais. É verdade que grande parte da nossa infância e adolescência é passada na escola, mas todas as aprendizagens que ocorrem fora desse contexto são igualmente importantes. A escola é quem tem maior legitimidade e é o contexto mais reconhecido para educar/formar, pois mesmo na formação de adultos, que tenta não ter uma organização similar à da escola, esta aproximação acaba por acontecer. A maioria dos Centros de Novas Oportunidades (CNO’s) e programas de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) têm lugar em contexto escolar, numa sala de aula. Penso que este possa não ser o ambiente mais atractivo para adultos que abandonaram a escola por não se identificarem com os seus princípios.

           O CNO tem por objectivo garantir a todas as pessoas com mais de 18 anos uma oportunidade para obterem qualificação e certificação de nível básico ou secundário, adequada ao seu perfil e necessidades. Procura promover o interesse dos adultos com baixos níveis escolares em procurar novos processos de aprendizagem, formação e certificação.

           Por sua vez, os processos de RVCC enfatizam as aprendizagens ao longo da vida, nomeadamente, as adquiridas em contextos formais e não-formais. A formação já não é uma característica pré-profissional, mas uma necessidade permanente, onde o próprio indivíduo é o gestor, ao longo a vida e da carreira.

           Neste processo, o reconhecimento é um processo onde o indivíduo identifica características previamente adquiridas; a validação é o acto formal realizado pela entidade acreditada, é o momento da atribuição de certificação com equivalência escolar ou profissional; a certificação é quando há a confirmação oficial de competências adquiridas através da formação e/ou experiência; e as competências são uma combinação «(…) de capacidades, conhecimentos, aptidões e atitudes apropriadas a situações específicas, requerendo ‘disposição para’ e o ‘saber como’ aprender» (Comissão Europeia, 2004).

           Também as aprendizagens que ocorrem no contexto de trabalho são importantes para o desenvolvimento da pessoa, uma vez que

 

«a aprendizagem no local de trabalho não é uma aprendizagem desprovida de estrutura. Esta não só se adquire num ambiente pedagógico (escola, curso), mas também em circunstâncias reais de trabalho, enquanto ambiente de aprendizagem, cuja estruturação assenta nas características e na estrutura da prática laboral em que a aprendizagem tem lugar» (Onstenk, s/ano:34).

 

           Neste tipo de aprendizagem, a situação laboral é o ambiente de aprendizagem. Contudo, a aprendizagem no local de trabalho não se deve confundir com formação no local de trabalho, pois esta caracteriza-se por uma estruturação pedagógica, nomeadamente, por objectivos, programas de formação explicitamente formulados, utilização de materiais didácticos e avaliações. A aprendizagem não se circunscreve a uma adaptação às novas exigências do trabalho, mas visa também o aperfeiçoamento e inovação.

           Quanto ao trabalho, podemos identificar diferentes conceitos como, por exemplo, o trabalho laboral e o trabalho de ser estudante. Penso que no trabalho deveria existir uma correlação ajustada entre o esforço e a remuneração, mas isso muitas vezes não acontece. O ser estudante é, para mim, um trabalho, pois temos responsabilidades, horários a cumprir, trabalhos e funções a desempenhar. O que distingue o trabalho de ser estudante dos demais é o facto de não sermos remunerados economicamente, mas temos outras remunerações como, por exemplo, as classificações. Neste momento, o meu trabalho é ser estudante e para isso são importantes as aprendizagens que fiz na escola, mas também as que construi em contextos não-formais.

           Hoje em dia não há, na minha opinião, uma relação estável entre formação e trabalho, talvez devido à actual situação económica do país. Antigamente, uma pessoa que ingressava no ensino superior tinha quase por garantido um emprego quando acabasse o curso, pois investiu na sua formação e depois tinha por “recompensa” o emprego.

           Contudo, actualmente, as coisas já não são tão lineares. Uma pessoa que ingresse no ensino superior sabe que o lugar no mundo do trabalho não é garantido e terá muitas dificuldades para encontrar esse lugar. Penso que um curso superior é sempre uma benesse, uma vez que ficamos melhor preparados para lidar com alguns constrangimentos do mercado de trabalho (por exemplo, direitos e deveres, benefícios, etc.). No entanto, não temos a experiência que é tão fundamental hoje em dia, ou seja, temos o diploma, mas não temos a competência.

           Aqui tornam-se pertinentes as questões da qualificação e da competência que fomos abordando na unidade curricular. O que é isto de qualificação e o que é isto de competência? Uma antecede a outra? São dois conceitos opostos ou que podem coexistir?

           A escola é o lugar onde, à partida, se obtém uma qualificação, isto é, onde se adquire os conhecimentos que permitem aceder à legitimação social, ou seja, é um espaço de selecção, pois os diplomas contribuem para a reprodução das desigualdades.

           A actual crise do emprego, surge porque existem muitos diplomados para o número de vagas de emprego existentes, o que leva a uma perda de legitimação dos diplomas. Contudo, as qualificações não resolvem o problema do reconhecimento dos saberes adquiridos no trabalho. Assim, surge a noção de competência como algo que combina um conjunto de saberes e de maneiras de ser para dar resposta às necessidades de uma determinada situação.

           Segundo Stroobants, competência «representa a valorização da experiência profissional, do savoir-faire oriundo da vivência pessoal, da experiência no trabalho e das atitudes comportamentais em contraposição ao saber adquirido na escola» (Stroobants in Arruda, 2000:34). A competência não é algo inato nem estanque, mas antes algo que se vai construindo em contexto laboral. Assim, «uma competência não se adquire apenas mediante a realização de trabalho, mas através do desenvolvimento da própria actividade laboral» (Engestrom, 1987 in Onstenk, s/ano:35).

           Uma das questões que surge é como é que se mede a competência. Costa diz que a competência «(…) aparece de forma inseparável da acção e só pode ser apreciada, ou medida, numa situação dada, [uma vez que diz respeito] ao uso de técnicas definidas que, embora não tenham sido criadas pelo indivíduo, são por ele usadas e podem ser adaptadas às novas situações» (Costa, 2007:132).

           Qualificação e competência são dois conceitos que não devem ser olhados como algo que é oposto ou que tem uma ordem sequencial: primeiro qualificação e depois competência. Ambas podem ocorrer em simultâneo e em ordens diferentes, pois muitas pessoas conseguem ingressar no mercado de trabalho sem uma qualificação para o cargo desempenhado, mas tinham competências (experiência profissional, por exemplo) e, no entanto, mesmo já estando a trabalhar, podem frequentar um curso para obter a qualificação adequada ao trabalho. O contrário também acontece, pois quem acaba um curso superior não tem muita experiência (competência) naquele determinado trabalho, mas tem o diploma (qualificação). Pode conseguir o emprego pela qualificação que tem e, com o contacto com o mundo laboral, adquirir competências específicas daquela actividade profissional.

           Em suma, posso dizer que se antigamente as qualificações garantiam um lugar profissional, agora estas não conseguem dar resposta às evoluções tecnológicas dos sistemas. Desta forma, surgiu o conceito de competência numa perspectiva mais individual do que colectiva. Contudo, um conceito não impossibilita a existência do outro, uma vez que estas são dimensões complementares.

Deste modo, é compreensível que num mundo tão competitivo, a inserção profissional seja tão complexa. Esta é para o indivíduo um processo no qual desenvolve uma identidade profissional, bem como um período de transformação pessoal e de mudanças na sua própria identidade.

           A inserção profissional torna-se cada vez mais difícil à medida que os jovens retardam o processo de confrontação entre os saberes escolares e a experiência do trabalho. Muitas vezes, também estes saberes não se adequam aos contextos laborais, uma vez que estes são contextos em constante mutação e os saberes escolares não.

           Por sua vez, o conceito de justiça social não é coeso nem resulta de um consenso, uma vez que representa coisas diferentes para diferentes pessoas e considero que esta diferença pode ocorrer de acordo com os princípios e valores culturais de cada um.

Apesar de justiça social ser diferente para diferentes pessoas, penso que tem de haver respeito pelos cidadãos e a justiça social tem de ser a base de uma boa convivência social, mas nem sempre é assim.

           Penso que hoje em dia, cada vez mais, a justiça social no trabalho é colocada de parte, porque os trabalhos são mais precários e sem garantias sólidas para os trabalhadores. Como é referido no texto “Metro, trabalho e sepultura” de Danièle Linhart (2010), mesmo num contexto estável, os trabalhadores sentem-se na “corda bamba”, ou seja, mesmo com um contrato de trabalho e com condições relativamente adequadas, os trabalhadores temem o despedimento a qualquer momento, pois a economia não está bem e as falências são frequentes.

           Outra questão que se pode colocar é se será justo para quem investe na sua formação ser ultrapassado por uma pessoa com menos qualificações para o cargo. Mas será que era justo para a outra pessoa menos qualificada ter menos hipóteses de emprego do que a mais qualificada?

           Estas questões são complexas e para umas pessoas o mais justo seria quem tem mais qualificações ficar com o emprego, porque investiu na sua formação, mas para outras pode ser justo a outra pessoa ficar com o emprego, pois tem menos possibilidades de encontrar um.

            O conceito de justiça social é subjectivo e levanta muitas questões a nível social, mas apesar de ser um conceito vago, as pessoas devem acima de tudo respeitar-se. Um caso polémico relacionado com as questões da justiça social foi o que aconteceu com os alunos ciganos de uma escola. Colocar os alunos ciganos à parte dos outros, a terem aulas num contentor, foi para muitas pessoas um caso de injustiça para com aquelas crianças, mas para outras foi o mais adequado. Considero que neste caso, houve um sentimento pejorativo e houve injustiça, pois apesar de pertencerem a uma cultura um pouco diferente, são cidadãos portugueses e como tal têm os mesmos direitos que as outras crianças e não devem ser discriminados.

 

Papel do/a mediador/a sócio-educativo/a e da formação em contextos de educação e formação de adultos

           Esta unidade curricular foi importante para me ajudar a pensar numa possível futura área de trabalho: a educação e formação de adultos. Ao longo da licenciatura temos vindo a abordar as questões da educação e formação, mas sempre num contexto escolar mais dirigido a crianças e jovens e não abordamos muito a questão da educação de adultos. Assim, esta unidade curricular permitiu-me descobrir mais deste mundo ainda um pouco desconhecido. Fiquei com uma noção mais clara do que é um CNO e um processo de RVCC, quais são as suas intenções, princípios, metodologias, etc.

           Antes de frequentar esta unidade curricular já tinha uma ideia do que eram os CNO’s e os processos de RVCC e considerava que estes, apesar de a intencionalidade ser positiva, não estavam a alcançar o objectivo máximo, educar e formar as pessoas. Digo isto, porque, muitas vezes, nem são os estudantes que elaboram os trabalhos pedidos e assim acaba por não fazer grande sentido, porque se o objectivo era levar as pessoas a reflectir e pensar sobre o seu percurso de vida isso acaba por não acontecer. No entanto, apesar destas falhas considero que estas iniciativas são positivas, uma vez que levam as pessoas de novo a estudar e a sentir vontade de saber mais.

           Para finalizar, penso que a forma como esta unidade curricular estava organizada em termos de temáticas e actividades, nos permitiu ir reflectindo sobre os temas confrontando a teoria (conteúdos abordados) com a realidade (testemunhos recolhidos).

 

Referências Bibliográficas
·Arruda, Maria da Conceição Calmon (2000) Qualificação versus competência. S/local: s/ editora;
·Costa, Luciano Rodrigues (2007) “A crise do fordismo e o embate entre qualificação e competência: conceitos que se excluem ou que se complementam?” in Revista de Ciências Sociais, nº. 26, pp. 127-142;
·Linhart, Danièle (2010) “Metro, trabalho e sepultura” in Le Monde diplomatique. S/local: s/editora;
·Onstenk, Jeroen (s/ano) “A aprendizagem no local de trabalho no âmbito da reforma organizativa na indústria transformadora” in Revista Europeia: Formação Profissional, nº5. S/local: s/editora;
·Comissão Europeia (2004).